domingo, 24 de maio de 2009

Da originalidade desta crise económica

Aspectos da originalidade desta Crise


Esta é a primeira crise económica na qual, à priori, se assume publicamente que os seus custos têm de ser pagos pelo contribuinte. As crises anteriores afectaram, de um modo geral, todos os extractos sociais, embora de forma desigual. Uns pagavam, faliam, empobreciam, sofriam uns mais do que outros, enquanto alguns se enriqueciam, ao mesmo tempo. O que há de novo é que, para combater esta crise, usam-se fundos públicos, na ideia de que compete aos Estados a salvação do sistema financeiro, ou seja, compete-lhes evitar a corrida aos bancos, esconjurar o espectro das falências generalizadas. Para isso têm de injectar dinheiro dos contribuintes no sistema, de garantir depósitos, têm de se lançar em investimentos aumentando a dívida estatal que, necessariamente, os contribuintes vêm a ter de pagar, mais tarde, principalmente se esses investimentos não forem rentáveis acima da taxa de inflação verificada.

E poderia ser de outra maneira? Na verdade já se viveram crises de diferentes modos. Em 1929, os suicídios foram uma via de fuga ao empobrecimento e à incapacidade de lhe resistir. Mas só aconteceu aos ricos. Os pobres transformaram o Central Park de Nova York numa horta aprazível, ou inspiraram sagas no género das “Vinhas da Ira” e doutras histórias neo-realistas. Em três anos faliram mais de dez mil bancos nos EUA. Hoje, só faliram meia dúzia, ninguém se matou e contam-se pelos dedos os banqueiros presos…

Que o Mundo mudou é dizer uma banalidade. Mas o que nele mudou com efeito na resposta a dar a esta crise já tem mais alguma exigência. Dizia-se que “quem não trabalha não come”. Hoje, é um facto que quem não trabalha só come… Porque há um subsídio, um rendimento mínimo e uma assistência pública ou caritativa que dá de comer ao desempregado que pode sentir-se marginalizado, subestimado e, seguramente, também, que triste e rejeitado… Mas para comer…

O nível de monetarização da economia moderna alterou profundamente a relação das pessoas com a própria vida. Para muita gente os factores de produção económica são realidades longínquas ou desconhecidas, mesmo constituindo produtos do seu consumo diário. Viveram trabalhando em serviços, descontaram o seu seguro de reforma e a sua entidade como ser oeconomicu resume-se à pensão mensal que lhes paga a vida. Pensar que o sistema financeiro actual exagerou ao criar mecanismos financeiros de especulação alheios à economia real, é exacto mas pensar que poderia ter sido diferente, é acreditar numa improbabilidade. O gestor e a gestão, os banqueiros e a banca, não agem por regras, antes, criam mecanismos competitivos para as realidades que o mercado livre inventa. E inventaram mecanismos de crédito e de negócio em bolsa que não lembrava a ninguém há uns anos atrás. Aos governos cabia constituir outros mecanismos, estes de regulação, aqui sim, com normas, regras e princípios, no patamar político da vida social. A moda neoliberal ajudou a esta omissão. A causa da crise terá sido de raiz económico-financeira mas a culpa do seu aparecimento será também política. Por isto, não me parece que constitua qualquer solução para a crise a actividade de zurzir os reguladores. Eles não tinham poder e foram surpreendidos pelo que julgavam salutar: a dinâmica concorrencial do mercado. Andavam enganados … (mas parece que bem pagos… passe a ironia foleira).

Chega-se ao ponto de encontro, criado pela necessidade de injecção de liquidez e pela sustentabilidade dos fundos que garantem os sistemas sociais. Dito de outra forma: resolver a crise sem provocar tumultos sociais. Dois factores que significam a mesma coisa: dinheiro dos impostos e endividamento do Estado, dado que a retoma económica está, obviamente, adiada. Nunca precisámos tanto de ser governados por quem tenha a vontade e a liberdade para encontrar soluções e decidir.
Manuel Pedroso Marques

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Bloco central: soma de 'resultado nulo'

Bloco Central: soma de ‘resultado nulo’

Prefiro o exercício de fissão de ideias que origine novas soluções e caminhos alternativos do que a fusão de ideias distintas, redutora de diversidades e de opções. Não penso deste modo apenas no campo abstracto e no político mas penso o mesmo também sobre as empresas e projectos. A fusão de empresas reduz a concorrência e não contribui para o enriquecimento da oferta ao cliente, prejudicando-o, de um modo geral. Creio que o mesmo se passa nas coligações de projectos políticos enunciados por forças políticas distintas e apoiados por eleitorados diferentes. Gera confusão nas escolhas pelos eleitores, gera partilha de responsabilidades das quais os protagonistas alternam em querer fugir ou reivindicar, além das dificuldades resultantes de qualquer divisão de poder.

Quando a fusão de projectos de organizações políticas não assenta em capacidades e apoios políticos complementares que permitam o alcance de objectivos de maior dimensão ou dificuldade, neste caso, a fusão aumenta as eventuais insuficiências que as organizações separadamente já possuíam. Juntar vulnerabilidades e incapacidades é criar um desastre conceptual e orgânico.

Parece-nos, pois, que o exercício de coligações passa por uma identificação de capacidades e apoios distintivos que aumentassem recursos de actuação política e não o seu contrário. Ora, tanto nos pontos de vista expressos pelo PS como pelo PSD, os seus projectos, para além das diferenças e semelhanças que sempre existem, por maiores ou menores que sejam, são enunciados numa estratégia de afrontamento e repúdio de contactos, que torna impossível a constituição de uma plataforma política comum de governo do país.

Muitas das medidas adoptadas por este governo do PS são portadoras de progresso político e cívico que nenhum dos partidos à sua direita subscreveria. E à sua esquerda, a postura é de mera contestação, sem se quererem comprometer nas responsabilidades públicas limitadas à sua expressão eleitoral. Preferem esperar… dizem. Como é também evidente, as dificuldades da crise que se vive no Mundo e em Portugal levam muita gente a pensar na enorme base social de apoio constituída pelo PS e pelo PSD, suficiente para apoiar todas as políticas, por mais difíceis. Todavia, não se sabe é em que políticas os dois partidos acordariam.

Dando por aceite que só antes das eleições e nunca depois delas é possível estabelecer um projecto de governo sério e que, a este respeito, os dados já estão lançados, temos:
- a estratégia é de confronto sem viabilidade de conversas, quanto mais entendimentos com o PSD, o que é muito positivo na opinião de muitos;
- ambos os partidos querem, naturalmente, ganhar mas, como para ganhar um perde o outro, a soma desta luta política entre PS e PSD pode ser de ‘resultado nulo’ para o país, no caso de não haver maioria absoluta de nenhum partido, o que preocupa muitas opiniões diversas, desde Jorge Sampaio a Cavaco Silva;
- sendo certo que as lideranças do PSD se podem alterar no caso de perda das eleições, colocando novas interrogações sobre acordos de efeito parlamentar;
- estamos perante uma situação na qual a política partidária não dá grande espaço à política do país;
- e como já vamos no XVII governo constitucional e alguns ministérios com perto de 30 ministros desde O 25 de Abril, dou razão a quem pensar que, na conjuntura política actual, só a maioria absoluta do PS garante estabilidade governativa.

Manuel Pedroso Marques

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Agressão a Vital Moreira na palavra dos outros

Sobre as agressões a Vital Moreira na Manif. do 1º de Maio houve declarações e declarações. Umas, digamos, casuísticas, limitavam-se a denunciar a violência como um comportamento antidemocrático. Outras, davam-se ares de declarações mais ambiciosas nos efeitos que procuravam criar na opinião pública. E sendo assim, adquiriam conotações estratégicas por parte dos responsáveis políticos que as proferiam.

Vejamos. Em primeiro lugar foram declarações polemológicas, feitas para combater o adversário, representante do agredido. Segundo, as declarações foram 'pragmáticas', ou seja, orientadas para efeitos consequentes, a verificarem-se no futuro, ou seja na campanha eleitoral que se inicia. E em terceiro lugar, por serem objecto de comunicação pública, foi-lhes atribuído carácter de importância essencial.

Os partidos à esquerda do PS, mais o PCP que o Bloco, foram colocados sob a suspeita das agressões ao candidato do Partido Socialista às eleições para o Parlamento Europeo. Ora, só se deve fazer uma comunicação pública quando se pretende obter pelo menos um dos pressupostos estratégicos para o sistema em causa: a importância essencial, dialogar com o ambiente externo ou procurar condicionar o futuro a nosso favor.

Assim, todos os líderes políticos que usaram da palavra para desvalorizarem os factos cometeram um erro. Sobre o que não tem valor não há nada a comunicar. Não se deve falar... Todos os que "viraram o bico ao prego" e quizeram dizer que Vital Moreira, quando se meteu na Manif da CGTP estava "a pedi-las" acham que podem gerir a realidade e fazer de agressor o agredido. Ora, a realidade 'não se deixa gerir mal por muito tempo'. Este argumento, além de nos reduzir ao grau zero de convivência democrática, volta-se rapidamente contra quem o usa. Como também não adianta dizer-se que a vítima da violência vai ganhar com isso. E se ganhar?! A agressão não se torna mais grave por o agressor condenar quem a lamenta?

Vem isto a propósito das declarações de Jerónimo de Sousa. Francisco Louçã falou melhor: falou menos. E com esta esquerda, não vamos a lado nenhum... porque, simplesmente, o PS não está lá!

segunda-feira, 4 de maio de 2009

A Crise e os decisores

"Quando estava para morrer, os seus discípulos mais dedicados
queriam rezar por ele (Confúcio) mas ele objectou, dizendo que
já rezava há muito tempo à sua maneira, não com palavras mas
com actos".

(In. O Jogo Estratégico na Gestão, M. Pedroso Marques





As crises não introduzem qualquer especificidade estratégica que não ocorra numa situação normal. Em tempos de crise, como em tempos normais, o que se precisa é de um conjunto de opções estratégicas adequadas à resolução dos problemas, ajustadas à 'situação'. Quando se diz Estratégia de Crise é o mesmo que dizer uma estratégia aplicada àquela situação crítica.


Todavia, as crises provocam comportamentos dos decisores que divergem dos que apresentam em situações normais. Desde logo, porque as crises quando nascem são como o Sol. São p´ra todos. Todos começam a reagir. A tentação para ver o que é que cada um faz é imparável. Depois, a crise que nós temos não é a primeira. E nunca nenhuma durou sempre. E nunca nenhuma foi rigorosamente igual à outra. Daqui resulta uma enorme panóplia de medidas que foram tomadas e ignoradas por uns e outros.
Resultado: a gestão de crises constitui um dos exercícios de gestão mais difíceis e tumultuados que se conhecem. Os países e os espaços em que se inserem são forçados a um relacionamento pragmático, mais consequente que o habitual. Mormente quando os condicionantes estratégicos, ou seja alguns constrangimentos estratégicos, que constituiram opções do passado, implicam na criação de quadros de reflexão estratégica que não controlamos em exclusivo. Exemplo disto seria deduzir uma estratégia para Portugal sem atender ao que a UE nos impõe, por exemplo, para continuarmos no Euro.
Entretanto, o 'estratego, cuja vaidade é historicamente comprovada' (Lucien Poirier), tem que evidenciar confiança na estratégia enunciada, pois, se assim não for como é que ele arranca com a tropa atrás dele? É nesta altura que se levanta mais facilmente a quebra de solidariedade para com os sistemas a recuperar da crise. Mas também é o momento em que a acção é mais necessária e apreciada e a omissão ou a paralização mais prejudicial e desprezível.