domingo, 21 de novembro de 2010

Sobre a Cimeira da NATO em Lisboa

Pouco depois de 1989, da queda do Muro de Berlim, o Pacto de Varsóvia evaporou-se sem deixar vestígios de que tivesse existido. E a Nato? Além de se poder considerar que venceu a Guerra-fria, que a Democracia multipartidária e o regime capitalista como forma de organização económica no Mundo Livre venceram a Ditadura de partido único e de economia colectivista, o que se pode dizer que aconteceu à NATO em 20 anos? Nada! Poderia ter-se redimensionado, redefinido o seu conceito de actuação mas não. A sua primeira reacção na era de Bush foi de ampliar-se, fazendo a Rússia ver-se sem “profundidade estratégica”, que é como quem diz “ver-se nas barbas do “inimigo”…
O ambiente de Guerra-fria que se instalou a seguir à Segunda Guerra configurou-se pela existência de duas organizações político-militares opostas, como é sabido. A NATO, representando democracias pluripartidárias ocidentais da Europa e do Atlântico Norte (com excepção de Portugal que, sendo ditadura, foi país fundador da Organização, mercê da importância dos Açores) e o Pacto de Varsóvia em nome do bloco de países que constituíam as Repúblicas soviéticas. A primeira liderada pelos EUA e a segunda pela ex-URSS.
Foi um tempo de Paz mundial, de conflitos de dimensão apenas regional ou local. Uma Paz armada que fez valer a Estratégia de Dissuasão entre os dois blocos militares de projecção global. No fim da década de 80 a URSS implode. Sem conflitos internos que o impusessem ou denunciassem o país muda de regime político, abandonou a ideologia leninista e vê-se sem condições de ampliação da sua influência política no Mundo. Perdeu a hegemonia sobre onze países que esconjuraram o regime ditatorial de partido único em que a maioria viveu quase 50 anos e a Ucrânia e a Geórgia mais de 70. Países cujo espaço é superior a toda a restante Europa Ocidental, nove dos quais já aderiram à NATO e sete deles à União Europeia.
A Europa mudou. O Mundo mudou. Novos grandes países surgiram como potenciais potências políticas, já o sendo sob o ponto de vista económico. Nato. E, todavia, só agora, mais de 20 anos depois, se assiste a uma evolução dos conceitos estratégicos a adoptar pela NATO. No tempo do desmiolo político de Bush, ultrajando o Direito Internacional e a ONU com a invasão do Iraque e levando o “Ocidente” para uma situação difícil, até se chegou a defender que a NATO deveria estender-se ao Atlântico Sul. A 4ª. Esquadra da Armada dos EUA chegou a fazer exercícios a uma distância da costa brasileira que irritou os comandos militares daquele grande país. Os exercícios de treino feitos nas salas de operações das Forças Armadas brasileiras apresentam, nos “Dados de Situação”, a hipótese de guerra contra um país do norte e do mesmo continente… Isto, politicamente, não significa nada. Mas não deixa de constituir uma visualização probabilística dos comandos militares do Brasil, obviamente.
A implosão da ex-URSS e o 11 de Setembro foram os dois acontecimentos que vão assinalar o início do Século. O primeiro interferiu na evolução do relacionamento político entre os países agregados nos dois blocos, como seria de esperar, com reflexos no Mundo inteiro. O segundo está a criar uma nova postura de relacionamento entre as comunidades ocidentais e islâmicas, baseadas em factores culturais, religiosos e raciais, criando uma situação contra o sentido do movimento civilizacional que a História regista. Assim, se é certo que o Mundo evoluiu com a assimilação de valores civilizacionais, por parte das diferentes comunidades, o que agora acontece aponta para a recusa e o combate entre as comunidades de alguns desses valores, específicos das religiões e culturas tradicionais dessas comunidades.
O laicismo, um dos factores mais responsáveis pela convivência e tolerância religiosa ao longo da História, é posto em crise em várias zonas de conflito, se não mesmo combatido. Num ambiente de guerra com ocupação territorial de alguns países por forças militares internacionais e da NATO, no caso do Afeganistão e nos países resultantes da fragmentação da ex-Juguslávia, juntamente com acções de guerrilha, de atentados e de violações de Direitos Humanos, discute-se o uso do véu, da burca, da colocação de crucifixos em locais públicos e da prática de condenações à morte e de mutilações a pessoas por actos condenados pela religião adoptada.
Vivemos uma época em que o racionalismo é enfraquecido pelo dogmatismo, a política pelo populismo ignorante e pelos interesses económicos que não se esperava viesse a acontecer depois do término das ditaduras do Leste europeu.


Igual clima de irracionalidade política se apossou da Casa Branca no tempo do seu inquilino George W. Bush levando, pela mão fiel dos ingleses e outros indefectíveis, o Ocidente a vários “becos sem saída”, política e militarmente falando. A importância da Cimeira de Lisboa reside, entre outras coisas, em sair do Agfeganistão, onde nunca deveríamos (nós a NATO) ter entrado, para já não falar da aventura iraquiana.
Neste quadro estratégico das relações entre o Ocidente e a Rússia, para ajudar à complicação…, a NATO acha que poderia abrir as suas portas à Ucrânia e à Geórgia e a todos os países europeus que o desejassem, menos a Rússia, claro!
A que é que esta postura poderia levar? Ao corte do fornecimento de gás e outras fontes energéticas à Europa, ao estabelecimento de um oleogasoduto directo entre a Rússia e a Alemanha (a lembrar o Pacto Germano-Soviético de Hitler e Stálin, de triste memória), a ameaças de hostilidade da Rússia às posições face ao Irão e aos conflitos do Médio Oriente e, fundamentalmente, ao intervirem na Geórgia, para deixar claro que o alargamento inconsequente da NATO na Europa levava a que deixasse de haver condições para afirmar o Artº. 5 da Carta, segundo o qual, “o ataque a um país membro significa um ataque a todos”. Por outras palavras, a Osséssia não constituiria um “objectivo remunerador” dum conflito entre os “blocos que deixaram de se contrapor” nesta histórica Cimeira de Lisboa. Por este dado se compreende como a estratégia da NATO andou mal desenhada e desfasada.
Um novo quadro estratégico foi criado, por estas aberrações todas e pelo novo Presidente Obama. Nunca o ambiente foi tão desanuviado internacionalmente entre os Continentes europeu (do Cabo da Roca… ao país dos Urais) e os EUA. No comunicado final, nem uma palavra sobre a ideia canhestra de alargamento geográfico da Organização; ao contrário, a inscrição do conceito de parcerias cooperantes. A afirmação de que o “escudo antimíssil” na Europa será orientado para o espaço exterior, compreendendo a Rússia na área a proteger e de que a Aliança terá armas nucleares enquanto elas existirem. Mas os países que mais as têm comprometem-se a reduzi-las.
Foi um passo importante no sentido da Paz. Que não será a “Paz Perpétua” que Emanuel Kant já queria desde o Século 18, mas que alguns cidadãos quiseram, legitimamente, lembrar nas ruas de Lisboa. Não estive lá com eles mas compreendo-os!

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