quarta-feira, 14 de julho de 2010

A Vida, a Dívida e o Crédito

Reconhecer que se vive num Mundo em que a dívida faz parte da vida parece-me mais ajustado ao estado económico da sociedade actual do que a pergunta ou a afirmação de que "há mais vida para além da dívida". Desde logo, não há dívida sem o credor que fez o empréstimo. Quando se diz que há muitas dívidas, poderia dizer-se que foi dado crédito a mais. Também vivemos numa sociedade em que uma das suas maiores indústrias é a do crédito, constituída por toda a sorte de bancos, instituições financeiras, etc. que vivem de emprestar dinheiro.
Quando se ouvem queixas de que a dívida é superior às garantias, teme-se pelo credor que pode ficar sem ser ressarcido. Por esta razão já se escreveu numa manchete jornalística "dívida nossa, problema vosso", resumindo a situação de endividamento da Grécia, na sua maior parte, aos bancos franceses e alemães… Quando a situação chega a este ponto, a salvação do credor situa-se no facto de o devedor precisar de se endividar mais! E aí, surge a vingança dos temores do credor! O pobre do devedor, começa a pagar os juros da sua própria insuficiência financeira, até à falência completa. Voltando a eleger a Grécia como exemplo, eles têm cerca de três mil ilhas e ilhotas desertas no Mar Egeu… que alguns credores não enjeitarão em receber como contrapartida das dívidas não cobradas. Algumas ilhas já são inteiramente de um só proprietário privado, sem que a soberania se tenha posto em causa, obviamente.
No que respeita à dívida de particulares, das famílias, verifica-se que ela só atinge valores elevados nos países desenvolvidos e ricos, sendo que os portugueses fazem o papel dos mais ricos em comparação com os seus concidadãos europeus… (Só ficamos atrás da Letónia). Nos países em vias de desenvolvimento as dívidas dos cidadãos à banca são relativamente baixas, o que dá sentido ao ditado: "quem deve é quem mais tem". Os maiores accionistas do BCP não eram também os seus maiores devedores?
Em termos normais da evolução económica do Mundo, a estratégia do "pede emprestado e compra e, depois, espera que se valorize" só falha quando há crise e o credor pede o dinheiro de volta.
Nos países desenvolvidos, a chamada indústria do crédito criou instrumentos que são factores do género de vida "consumir agora e pagar depois": o cartão de crédito.
Assim, esta crise de 2008 enfatiza a dívida. A dívida dos Estados, das empresas, dos cidadãos. Cada uma destas dívidas tem as suas razões próprias, claro. Mas todas se juntam quando se trata de avaliar a dívida total do país. Principalmente se os mecanismos de poupança e liquidez interna não chegarem para "bancar" a dívida e for necessário ir ao mercado internacional pedir emprestado. Neste quadro, as agências de avaliação de risco têm de se colocar ao serviço dos credores, baixando a notação para o juro subir. Não têm outro comportamento possível.
Moral da história, só o trabalho competitivo e o equilíbrio das contas públicas estão aquém do endividamento, da sujeição aos credores e do empobrecimento.

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